Lacaton & Vassal















A obra de Lacaton e Vassal corresponde a um dos últimos capítulos da arquitectura contemporânea, datado da década de noventa, em que se valoriza a vertente minimalista e ecológica da arquitectura. Cansadas dos excessos decorativos e da linguagem da arquitectura mais eclética e pós-moderna, como do intelectualismo, elitismo e formalismo vazio de certas arquitecturas da nova abstracção formal, ou “desconstrução”, acabamos por assistir ao ressurgimento da sensibilidade para arquitecturas ecológicas.
Reaparecem arquitecturas que procuram um sentido tectónico comum, valorizando o uso rigoroso e asséptico dos materiais, na criação de espaços directos e puros, utilizando forma geométricas e volumétricas simples, conciliadas com uma austera utilização de elementos significados, economia de materiais e energias, procurando sempre uma relação com a envolvência. Diante da superabundância opta-se pelo mínimo e pelo que está relacionado com o meio ambiente.
No que diz respeito à arquitectura com uma especial sensibilidade ecológica, destacam-se aquelas obras que recorrem às formas e tipos mais facilmente adaptáveis ao meio e com capacidade de se relacionar com as energias da envolvência, como peles permeáveis e versáteis, galerias exteriores, pátios interiores, edifícios em forma de estufa, geometrias de vidro e formas escalonadas para aproveitar ao máximo a energia solar, tal como edifícios semi-enterrados e dispersos, estruturas leves e recicláveis.
O desenvolvimento da arquitectura nesta década demonstram como a sua evolução se baseia na busca de um difícil e necessário equilíbrio entre os valores da permanência, da continuidade e da tradição, respeitando as leis do sentido comum e os modelos da história. É assim a evidente procura de elementos surpresa, de traços de contemporaneidade e de uso de novas tecnologias.
Ao mesmo tempo, cada vez a arquitectura e o urbanismo têm mais responsabilidade na resolução dos graves problemas ecológicos ocasionados pela exploração e o desgaste do planeta.
A arquitectura de Lacaton & Vassal pode ver-se actualmente, já como um enorme anacronismo da nossa época, em que para uma grande parte da arquitectura contemporânea, a forma se converteu no critério que decide se uma determinada obra se situa ou não acima da disciplina. Como resultado, o objectivo do trabalho de muitos arquitectos, centrou-se no desenrolar de novas linguagens que utilizam sofisticados processos de investigação formal. Para eles a forma não é um problema arquitectónico que se deva trabalhar de forma constante, mas simplesmente uma circunstância acrescentada ao enfrentar-se uma situação determinada.
A forma é algo que surge por si mesma, distinguindo-se da atitude da escultura que cada um deve modelar. Dessa forma, no seu método evitam utilizar maquetes, já que estas privilegiam o aspecto externo, e eles preferem uma abordagem a partir do interior para o exterior, mediante a preeminência dos programas que se estendem no espaço até acabar anulando, desde dentro, os limites do volume construído. De este modo, o processo resulta, com frequência, em uma forma exterior da casa que se ajusta muito às regras urbanísticas impostas.
Assim sucede, com a casa de Cap Ferret, que deveria guardar uma distância mínima de quatro metros para com os edifícios vizinhos, e quinze em relação ao mar. A distância para a rua, dependia do espaço disponível. A posição definitiva como um volume flutuante entre as árvores, explica o interesse em conservar as árvores e as dunas do terreno. A casa se eleva, o máximo permitido de 6 metros de altura máxima, mas sufeciente para assegurar umas melhores vistas sobre a bacia de Arcachón, de modo que a vista para o mar não seja perturbada pela vegetação, e o talude junto ao mar.
Nesta renúncia à forma não estão sozinhos, havendo Mies Van der Rohe com a caixa como tipologia espacial omnipotente, capaz de suportar qualquer programa, ou o holandês Rem Koohlaas, que relativiza ainda mais a forma em favor de um programa de projecto. A forma é o resultado do jogo que se estabelece com os imperativos, como as regras e preceitos.
A postura base de sua arquitectura consiste na duplicação do espaço mediante um “espaço extra”, que não compreende o programa inicial, desviando desse modo os limites da arquitectura, em que se pretende diluir o exterior do edifício com a envolvência, e o espaço extra procura introduzir um fragmento desse espaço exterior no interior, como é especial exemplo a cabana Niamey na Nígeria.
Esse acréscimo de espaço, não é resultado de um simples aumento dos metros quadrados, mas distribui-los de um outro modo, por vezes difícil dadas as normativas e a falta de espaço.
No bairro social de Mulhouse, ou na casa Latapie as superfícies superam duplamente a área permitida por lei, graças a um jogo de alturas, inspirado nas unidades de habitação de Le Corbusier, e um jogo de estufas pré-fabricadas, sem função inicial que fazem uma simbiose entre o interior e exterior, num espaço híbrido livre a qualquer apropriação, quer de carácter interior ou exterior.
O desenvolvimento da sua carreira, têm levado cada vez mais para ambientes urbanos, e apesar de uma relação visual intensa com a envolvência, raramente se pode usufruir desta relação fisicamente, e partindo do conceito de espaço extra formalizado por uma estufa, introduz-se em certa medida o exterior na vivenda, e com isso compensa-se a escassez de um jardim.
Nos seus primeiros trabalhos, num ambiente natural aplicava-se a frase de Emílio Ambasz “tão apenas acrescentas à natureza o que falta”, porém os novos trabalhos, mais inseridos num contexto urbano, continuam a tentar fazer predominar essa ideologia, entendendo-se então a natureza duma forma mais extensiva, considerando que cada situação encerra um potencial, e que o fundamental da arquitectura é sempre revalorizá-lo, salvo que não seja possível melhora-lo. Neste sentido a sua obra caracteriza-se por uma atitude modesta tendo projectos cuja intervenção é mínima, consistindo apenas num conjunto de medida que visam a manutenção do lugar. Na casa do Cap Ferret em que se considera a topografia, as arvores e as vistas para o mar, como qualidades do lugar dignas de conservar, ou em Herouville Saint Clair que o depósito de água preexistente, devido à sua altura, se torna o elemento que dá escala ao novo projecto residencial.
Assim a postura frente ao preexistente, procura um elemento contextual, um atitude sem dúvida distinta do contextualismo da década de 70, já que não procuram imitar a linguagem dos edifícios antigos, ainda que tentem compor uma unidade funcional continua, entre o velho e o novo mas que podem diferenciar-se completamente.
A convicção que a arquitectura é uma intervenção sobre o existente, e não a partir de nada, leva-os à conclusão que o legado anterior nunca se deve derrubar, mas que se pode sempre tratar de novo, reconhecendo então cada extracto da paisagem edificado, sendo a construção um acto de constante melhoria, acrescento, edição e transformação.
Mas não é apenas numa tentativa de contextualização e de duplicação em certas circunstâncias da área de construção que surge o conceito de espaço extra, na faculdade de arquitectura de Nantes, por exemplo, para além de permitir um cruzamento de tipologias, com relativa facilidade, esse espaço extra alberga também uma função ecológica, abraçando alguns princípios de climatização. Porém, a premissa do espaço extra, para ser levada a cabo, seguindo o orçamento exigido, acaba por se usar materiais mais económicos, pré-fabricados, mas que acabam oferecendo também pequenas variáveis ecológicas e o dobro de espaço, pelo mesmo custo.
Esta forma de construir, em duas faces consecutivas e com uns espaços encaixados noutros, faz alusão à cenografia. É precisamente esta componente teatral uma característica própria dos projectos, misturando tipologias. É mesmo o cruzar de uma tipologia com um sistema construtivo alheio, que faz os edifícios parecerem tão distintos do habitual, condicionando a conduta dos usuários, já que esta não é indiferente. Lacaton & Vassal desligam-se da natural aparência do código de comportamentos inerentes a um uso específico e incentivam a uma oposição criativa dessas convenções. Um edifício de habitação que se apresente como estufa, faz com que sejam banais os hábitos residências comuns, pois não se podem operar doutro modo – mas estimula os utentes a tomar consciência das suas preferências e a dar forma ao seu modelo pessoal de vida.
A lógica do distanciamento entre a arquitectura e o seu código institucional próprio, remete-nos para a teoria de distanciação do filósofo natural de Munique Bertolt Brecht, em que considera que “distanciar uma acção ou uma personagem, significa simplesmente o desaparecimento da sua máscara, retirando-lhe os aspectos óbvios, conhecidos, familiares e provocar a curiosidade do que se desenvolve em torno de si…”, ou seja coloca o mundo ao alcance da sua mão para que nos possamos apropriar dele, e o alterarmos.
Sua arquitectura, que gira em volta de uma espécie de contextualismo vernáculo, procura, por principio evitar qualquer tipo de efeito visual, ligando-se à arquitectura holandesa na predileição por materiais baratos, como os paíneis ondulados de policarbonato e alumínio, ou de madeira, assim como renúncia aos materiais caros e culturalmente “valiosos”. De influências ideológicas holandesas, considera que o material têm algo a dizer, sua função é essencialmente didáctica, uma homenagem ao barato como contra-principio da cultura estabelecida, seguindo apenas uma lógica de uso, em que não questiona o seu significado, mas as suas possibilidade, e a forma como reage de acordo com características específicas. Evidentemente o custo dos materiais é uma questão preponderante para o uso, não sendo a opção motivada por uma questão económica, por económica, nem a demonstração de um ponto de vista estético-moral, ou crítica ao consumismo pós-capitalista. Trata-se apenas de uma questão de poupança, se conseguirem poupar em termos de materiais e sistemas construtivos, possibilitando uma mais-valia de espaço, é uma inversão magnífica do espaço em relação ao valor, sobressaindo daqui uma dimensão política profunda, opondo-se decididamente as regras estabelecidas pelos CIAM nas casas para um Existenzminimum, que seguia uma matriz de baixo custo corresponderia a espaço mínimo.
Promove então o espaço como ponto base da arquitectura, abrindo uma possibilidade ao potencial, do imprevisto e o não planificado. Um espaço sem programa algum, mas que ele mesmo, tem um potencial de possibilidades que quase sempre desenrolam os próprios habitantes mediante o processo de habitar, contrapondo-se ao conceito de luxo como efeito.
Seu carácter anacrónico em relação ao seu tempo, é reforçado na postura em relação à novidade, que quando acontecem são factos casuais não deliberados de uma laboratorial procura pelo novo, ao contrário das vanguardas que se auto-afirmam através da novidade. Esta mesma postura têm-na em relação à tecnologia, servindo-se dela como um instrumento de apropriação imediata que responde, dessa forma aos seus fins arquitectónicos. A sua atitude é resultado de um equívoco, estranhamento, ou détournement, tal como Marcel Duchamp que mediante uma pequena deslocação converte um urinário numa fonte, Lacaton e Vassal, converte uma estufa, sua forma predilecta, em uma casa, após uma deslocação intencionada.
A estufa é a sua máquina de habitar, inteligente na sua construção, eficiente climática e economicamente na sua produção. Uma arquitectura em que tudo está pensado e que ao mesmo tempo possui apenas o necessário, oferecendo uma solução”tão sincera quanto a necessidade, mas não mais “, como diria Albert Einstein.
A tecnologia, não reside na sua função primogénita, mas no seu potencial de trabalho, de re-programação e combinação com outros elementos.
A arquitectura vernácula africana, tal como, influenciada, a casa do Cap Ferret, nos oferecem inúmeros exemplos, pois utiliza tanto materiais naturais, árvores e plantas, como produtos industriais, chapa ondulada, contentores, na construção, sem que haja nenhum problema.
As influências de África, estão nele impregnadas, e dissolvem-se sabiamente na casa do Cap Ferret.
A ampla concepção de relação com o local, têm influências africanas, mas cuja ideologia irá convergir em três formas principais de implantação que procuram sempre a ligação entre o distante com a proximidade do local. O primeiro meio, presente na casa em estudo, o edifício coloca-se em cena, em virtude das vistas e da paisagem. O segundo procura imaginar o distante mediante a importância de uma imagem, como exemplo a cafetaria Architekturzentrum de Viena, e, por último, a distância como referência conceptual do projecto, presente no Palais de Tokyo em Paris.

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